By Boi na Linha agosto 7, 2023
Evento na UFPA integrou a programação dos Diálogos Amazônicos
George Miranda, de Belém*
Fotos: Kauê Barp
Muito além de discutir se a carne bovina é “vilã” ou “mocinha”, um encontro realizado em Belém (PA), no domingo, 06 de agosto, abordou os caminhos para uma pecuária responsável e sustentável na Amazônia. Intitulada “Pecuária regenerativa na Pan-Amazônia: transições para resiliência do sistema alimentar e das paisagens”, a mesa foi promovida pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis e o CIRAD, Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Development.
O Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor de carne bovina do mundo. Apesar do endurecimento de regulações nacionais e internacionais, a pecuária na Amazônia tem sido frequentemente associada a danos ambientais, como o desmatamento, a degradação dos solos e a emissão de gases de efeito estufa, contribuindo para o agravamento das mudanças climáticas. Nesse contexto, o encontro promoveu reflexões sobre as práticas do setor e apresentou soluções inovadoras que podem contribuir para a responsabilidade socioambiental na cadeia produtiva da carne bovina. |
“É preciso ter regras claras do que nós queremos alcançar e fazer um processo de consulta, principalmente do setor produtivo, que viabilize a organização da rastreabilidade da cadeia”
Lisandro Inakake
O engenheiro agrônomo e coordenador de Projetos do Imaflora, Lisandro Inakake, apresentou ao público o programa Boi na Linha, criado em 2019 pelo Instituto. Com apoio do Ministério Público Federal (MPF), a iniciativa busca acelerar a implementação dos compromissos assumidos pela cadeia bovina na Amazônia e incentivar uma produção livre de irregularidades socioambientais.
Recentemente, no mês de junho de 2023, o Imaflora e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) anunciaram a adesão da associação ao Boi na Linha. A partir de um termo de cooperação, será construído um programa que permita a expansão, de modo progressivo e inclusivo, do uso do protocolo em todos os frigoríficos associados à entidade. Com o acordo, o Boi na Linha transpõe as barreiras da Amazônia Legal e passa a orientar a atuação de frigoríficos em todo o Brasil. A ABIEC conta hoje com 39 empresas associadas, sendo que 16 – incluindo as três maiores do país – já aderiram ao protocolo.
Para continuar avançando, o desafio do Boi na Linha, bem como da pecuária brasileira, é progredir na implementação de um sistema de monitoramento da cadeia, desde a cria, recria e engorda do gado nas fazendas até a chegada da carne na mesa do consumidor. “A rastreabilidade é o elemento essencial que precisa ser construído. Para isso, é preciso ter regras claras do que nós queremos alcançar e fazer um processo de consulta, principalmente do setor produtivo, que viabilize a organização da rastreabilidade da cadeia, colocando produtores de gado, frigoríficos, supermercados, investidores, atores públicos e organizações da sociedade civil na mesma página”, explicou Inakake.
Outra questão bastante discutida durante o encontro foi a “demonização” da pecuária bovina. Segundo Ricardo Abramovay, da Cátedra Josué de Castro, presidente do conselho diretor e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), “uma parte majoritária da inovação tecnológica na agropecuária contemporânea está voltada às proteínas artificiais. Ou seja, para emancipar a alimentação humana da dependência do solo, das plantas e dos animais”.
O pesquisador, no entanto, garante que a vilanização da proteína animal não está ancorada na realidade dos fatos. “Isso seria verdade se nós tivéssemos falta de proteína e não tivéssemos meios de produzir essas proteínas de maneira sustentável, mas não é o caso. Então, não faz sentido você mobilizar tecnologias para produzir mais proteínas quando nós temos condições de fazer essa oferta de maneira sustentável e na ética da suficiência, não na ética do ‘cada vez mais’”, garantiu.
No entanto, para democratizar o acesso à carne, a estratégia da pecuária bovina não pode priorizar apenas tecnologias caras. “Em nome de um progresso ambiental, você pode causar um problema social”, afirmou o pesquisador do CIRAD Brasil, Rene Poccard. “Por meio da intensificação moderada da pecuária, com o uso de tecnologia mais econômica, nós temos a possibilidade de incluir pequenos produtores também. Ou produtores que vivem em condições de isolamento, com solo já degradado, pouco produtivo”, complementou.
Esperança na sustentabilidade
Atenta às discussões sobre pecuária e meio ambiente, a engenheira agrônoma, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Rosana Maneschy, acompanhou a mesa e fez questão de contribuir com o debate. “Foi um espaço muito rico, porque nós vimos que as soluções também partem do local. É sempre muito interessante entender os dados gerais do país e da Amazônia, como é que a gente tem desenvolvido essa pecuária aqui e o que a gente vislumbra daqui para frente”, destacou.
Maneschy acredita que programações assim são importantes para que as pessoas entendam que pecuária e meio ambiente não são forças antagônicas. “A gente precisa melhorar a nossa produção de carne para que o Brasil alcance as metas e os objetivos do desenvolvimento sustentável. Penso que essa mesa só tem a corroborar com a nossa política nacional, tanto no meio ambiente como na agropecuária, que precisam andar juntos, obrigatoriamente”, enfatizou. |
Diálogos Amazônicos
A mesa integrou os Diálogos Amazônicos, programação realizada em Belém (PA), entre os dias 04 e 06 de agosto, com o objetivo de pautar a formulação de novas estratégias para a região. Dividido em mais de 400 atividades, entre mesas, conferências e plenárias, o encontro envolveu a participação de autoridades e da sociedade civil de oito países amazônicos, integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Os Diálogos antecedem a Cúpula da Amazônia, que é a maior iniciativa internacional do Brasil para o debate e formulação de políticas públicas para a região. Coordenado pelo Governo Federal, o evento acontecerá nos dias 08 e 09 de agosto, também em Belém (PA). O objetivo é construir uma posição conjunta sobre a pauta ambiental, que será levada à Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP 28, que ocorrerá entre novembro e dezembro deste ano, nos Emirados Árabes.
Assista aos vídeos de Ricardo, Lisandro e Rene, no LinkedIn do Boi na Linha:
*George Miranda é jornalista pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e colaborou com o Boi na Linha para esta cobertura.