By Boi na Linha agosto 7, 2023
Objetivo é agilizar processos e aumentar a eficácia de cadastros no estado
Alice Martins, de Belém*
Em um clique, foram aprovadas 43,3 mil inscrições que estavam na fila do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Pará. A solenidade aconteceu ontem, 06 de agosto, no último dia dos Diálogos Amazônicos, em coletiva de imprensa realizada pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado. Chamado de CAR 2.0., a ferramenta foi apresentada pelo secretário Mauro O’ de Almeida, na presença do governador Helder Barbalho e convidados.
“Essa é a maior ativação de Cadastro Ambiental Rural da história do Brasil”, declarou o governador. A meta, de acordo com ele, é que até 2025 todas as propriedades rurais do estado estejam com o cadastro ativo. “Isso é decisivo para que possamos garantir que quem pratica boas práticas, quem assegura a conciliação da sua vocação de uso da terra respeitando as normas legais ambientais, tenha prioridade na desburocratização do serviço”, complementou o governador. |
“Isso é decisivo para que possamos garantir que quem pratica boas práticas (…)
tenha prioridade na desburocratização do serviço”
Helder Barbalho
A nova ferramenta de automatização de processos, digitaliza a validação dos cadastros. Até então, o processo era feito manualmente, um a um. Além de garantir mais agilidade e menos burocracia, a novidade promete trazer mais transparência e eficácia para evitar grilagem, dentre outras brechas ainda presentes no CAR. A versão atualizada do cadastro integra automaticamente base de dados com informações federais e estaduais e geomapeamento das propriedades, o que permite identificar quando há sobreposição em áreas públicas ou terras indígenas, por exemplo. Quando uma infração é identificada, o proprietário rural recebe uma sinalização do que precisa ser corrigido para regularizar a situação e o cadastro é encaminhado para análise humana da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas).
A nova medida pode auxiliar na implementação de compromissos socioambientais na produção de carne bovina, que é também o foco do Boi na Linha. “Regularizar, monitorar e rastrear são as chaves para o desenvolvimento e fortalecimento da pecuária responsável. É importante que a iniciativa parta do Pará, estado que carrega o estigma de maior desmatador do País”, avalia o coordenador de Projetos do Imaflora, Lisandro Inakake.
Mapeamento para ajudar a alcançar metas ambientais
Já que a inscrição no CAR é autodeclaratória, uma das maiores preocupações ao automatizar o cadastro rural é o risco de facilitar a prática de grilagem (falsificação de documentos para tomar posse de terras ilegalmente). Por isso, a fiscalização precisa ser intensificada. É para atender a essa necessidade que se criou também o Módulo de Inteligência Territorial (MIT), uma plataforma digital que integra informações ambientais, fundiárias e produtivas.
No procedimento manual, o esforço para atualizar e interligar as bases é muito grande e existe ainda o risco de divergências entre o que está em cada uma. O MIT reúne as bases de órgãos como ITERPA, SEMAS, IDEFLOR-Bio, Adepará e Emater. Sendo assim, a gestão consegue observar internamente informações cruzadas sobre cada território do estado e verificar, dentre outros fatores, se uma mesma terra não foi cadastrada com titularidades diferentes em cada um desses sistemas, o que poderia indicar grilagem.
O monitoramento deve permitir um conhecimento mais aprofundado sobre as terras do estado e, com isso, deve impulsionar o Pará a atingir seus objetivos determinados pelo Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA): de restaurar 7,41 milhões de hectares de área verde até 2035 e atingir a neutralidade de emissões de gases de efeito estufa a partir de 2036.
Selo Verde 2.2: rastreabilidade para fortalecer a responsabilidade socioambiental
As novidades se somam ao Selo Verde, criado em 2021, que serve de plataforma pública de rastreabilidade de produtos da pecuária e é resultado de uma cooperação firmada entre o Governo do Pará e o Centro de Inteligência Territorial (CIT), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O selo, agora em nova versão, tem por objetivo oferecer um diagnóstico mais completo e atualizado tanto sobre conformidade ao Código Florestal quanto ao Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado na Amazônia, criado pelo Ministério Público Federal (MPF) do estado em parceria com o Boi na Linha. “A rastreabilidade dos produtos da pecuária no estado do Pará é absolutamente fundamental para garantirmos transparência, integridade e a demonstração clara de que, com esta ferramenta, nós sinalizamos para a indústria da carne, para frigoríficos, que podem estar seguros de que estão comprando um animal oriundo de uma propriedade que respeita as normas ambientais, em toda a cadeia [do nascimento ao abate]”, descreve o governador Helder Barbalho.
Novos desafios pela frente
O Governo do Pará tem ainda a ambição de se tornar o primeiro estado do Brasil a contar com rastreabilidade em larga escala: a expectativa é de que 100% do rebanho bovino esteja com chips ou brincos rastreadores até 2025. “Isso significa rastrear 26 milhões de animais e todas as propriedades terão a oferta deste serviço de forma gratuita. Quem custeará será a indústria da carne”, afirma Barbalho.
“A Europa costuma ditar o comportamento de outros mercados.
Aí a importância da lei para o setor”
Lisandro Inakake
No sentido de perseguir sua meta, o Pará mapeou 300 mil propriedades rurais, de média e larga produção que deverão ter o gado rastreado. Para o governo a rastreabilidade tem importância não apenas como ferramenta de acompanhamento do rebanho, mas também para buscar melhor colocação no mercado global. Com a Lei Europeia do Clima, os países que compõem a União Europeia demandam cada vez mais o cumprimento de normas para evitar o desmatamento na cadeia de produção. “Ainda que represente uma menor parcela das exportações, a Europa costuma ditar o comportamento de outros mercados. Aí a importância da lei para o setor”, observa Lisandro.
Novidades devem beneficiar sociedade e pecuária
O coordenador do Imaflora reconhece a importância da atualização das ferramentas, mas alerta para a necessidade de acompanhar atentamente a implantação dos recursos. “Entretanto, é necessário que governos realmente apoiem produtores na regularização ambiental, bem como na regularização fundiária, um problema enorme para milhares de proprietários de terra no país. O Boi na Linha também comemora o fortalecimento de ferramentas rastreabilidade e controle como o MIT e de de monitoramento, especialmente de fornecedores indiretos. O setor precisa desse avanço e o que esperamos é a democratização desses sistemas”, conclui.
Os Diálogos Amazônicos, realizados em Belém (PA) entre os dias 04 e 06 de agosto, reuniram 17 mil pessoas dos oito países que compartilham o bioma (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname), para discutir desafios e oportunidades da região. O evento antecede a Cúpula da Amazônia, braço governamental da iniciativa que acontecerá em 08 e 09 de agosto.
Alice Martins é jornalista pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e colaborou com o Boi na Linha para esta cobertura.